quinta-feira, março 18, 2010


Um político no poder

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*cronica do livro papo de garotas*


Clarinha estava sentada na sala, aos 13 anos de ida¬de, prisioneira em sua própria casa. Como se não bas¬tasse, fora proibida de ligar a tevê, de mexer no jornal e até de brincar com seus amigos e vizinhos.
— Seu pai está passando por um momento bastan¬te difícil. Você tem que ter paciência — explicou sua mãe.
— Mas eu não gosto de ir pra escola com aqueles dois seguranças. Fica todo mundo me olhando.
— É necessário.
— O Pedro disse que meu pai é ladrão.
— São problemas da política, minha filha — a mãe deu um suspiro e se levantou, perguntando — "Você não tem lição de casa?"
— Tenho que fazer uma redação — e tratou de pegar rapidinho, na mochila, os livros e cadernos.
Clarinha não era boba, sabia que sua mãe não esta¬va para conversa. Seu pai, então, nem o via. Saía cedo e voltava tarde da noite. Na madrugada anterior, tinha acor¬dado com os dois brigando. Levantou-se da cama de mansinho, abriu uma fresta da porta e foi então que viu seu pai, cie pijamas, saindo pelo corredor. Estava tão diferente, cabisbaixo, com uma expressão pesada no rosto. Nem parecia aquele homem grande, elegante, que três anos atrás fora considerado o herói da cidade. Pro¬pagandas, debates na televisão, homem de fibra. Nin¬guém duvidaria da sua integridade. Era a primeira vez que se envolvia na política e já ganhara as eleições.
No começo, tudo maravilhoso, gente importante fre¬qüentando a sua casa, muitos jantares, eventos... Clarinha era ainda muito pequena para participar de tudo aquilo, mas, entre seus amigos, ser a "filha do Prefeito" era um título e tanto.
No segundo ano, entretanto, começou a ouvir um papo estranho entre os pais.
— Ah, cansei de te pedir: "Não se meta na política, é só sujeira".
— Eu queria ajudar, fazer alguma coisa pela cida¬de. Se pelo menos eu soubesse que era tão difícil...
— Ninguém nesse país pode com essa corrupção. Ou a gente entra na dança, ou não consegue fazer nada.
E, nos últimos meses, deu no que deu, todos esta¬vam contra eles.
Clarinha pegou o caderno de português e abriu na última página: "Um político no poder". Era o título da redação. Sim, parecia que até a professora, os alunos..., a escola inteira estava contra eles! Teve vontade de gritar, chorar, espernear. Rasgar aquele caderno inteirinho e nunca mais pisar na sala de aula. Mas não ia baixar a cabeça; pegou um lápis e escreveu:
Sou um ser vivo, mas não sei se sou humano. Sou grande por fora, mas pequeno por dentro. Sou rico de dinheiro, mas pobre de espírito. Tenho fartura, mas sou carente. Sou visto por todos, mas compreendido por nin¬guém. Dizem que falo, mas o que faço é me calar. Gero infelicidade, mas também sou feliz. Falo por todos, mas não sei expressar minha vontade. Cheguei lã, mas não sei se estou satisfeito. Queria mudar tudo, mas quem mudou fui eu, posso ver e ouvir, mas preferia ser cego e mudo. Sou um e falo por milhões. Me sinto tão sujo, mesquinho e baixo que preferia nem existir.
Um político no poder
E, no dia seguinte, entregou o texto à professora, uma cidadã comum, cansada e enojada com a situação do país. Uma pessoa que, como tantas outras, se sentia totalmente impotente diante de tamanho caos e sujeira que desde o descobrimento tem sido a política brasi¬leira. Mas, ao ler as palavras da menina, teve, por um momento, uma grande esperança. Quem sabe, em bre¬ve a geração de Clarinha pudesse vir a fazer alguma coisa.

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Regrinhas:
- Quer criticar o blog ? avontade mais sem palavrões e ofensas Ok!?

Obrigada pela colaboração!