(continuação do livro) PAPO DE GAROTAS
A menina e o espelho
No começo, ela gostava de se admirar. O formato do rosto, o contorno da boca, a cor dos olhos. Era a época das transformações. Os seios crescendo, os pê¬los surgindo, as curvas se acentuando. Toda noite, an¬tes de se deitar, ficava nuazinha e ia para a frente do armário. Talvez por isso tivesse se afeiçoado tanto àque¬le espelho. Era grande, imponente, e ficava do lado de fora da porta, e não escondido do lado de dentro, como a maioria. Era lindo, delicado, e fazia parte da refinada decoração do quarto. Ou será que ela teria se afeiçoa¬do ao próprio reflexo? Era tão bom se ver, se apreciar; quase mágico! E, quando finalmente crescesse, ficasse com corpo de mulher, como seria? Bonita?
Às vezes, gostava de se pintar, prender o cabelo de forma diferente, roubar as roupas da mãe. Em outras, de falar, de gesticular, sorrir. Tudo ficava duplamente interessante diante daquele espelho. Podia até se bei¬jar nos lábios. Um beijo gelado, sim, mas divertido. Ou ainda respirar fundo, abrir bem a boca e soltar um bocado de ar quente. E, com a ponta dos dedos, no pedaço embaçado pelo vapor, desenhar um coração.
Quando estava muito quente, chegava pertinho e ia encostando, devagarinho, rosto com rosto, mão com mão, peito com peito, barriga com barriga. Humm, que refrescante! E também dava para criar histórias. Fazer de conta que lá dentro do espelho havia um outro mundo. Um mundo só dela, onde apenas ela poderia entrar e existir.
Só que o tempo passou. A menina já não era tão menina assim. E tudo aquilo parecia bobo, infantil e até ridículo. Continuava a gostar do espelho. E como. Mas agora ele inspirava outras coisas: questões.
E toda noite, quando se sentava a sua frente, na pe¬numbra da luz do abajur, pensava: "Quem sou eu? De onde venho? Por que existo? Há alguma razão para estar aqui? Por que as coisas acontecem do jeito que aconte¬cem? Até que ponto a gente tem controle sobre nossa vida? E, afinal, o que é vida e para que existe vida?".
Mas o grande espelho, tão companheiro antes, agora parecia se calar. Como alguém que carrega um precio¬so segredo. E o reflexo da menina no espelho era, então, mais reflexivo ainda, pois a fazia refletir sobre o próprio reflexo. Infinita reflexão...
A falta de respostas, mais do que as perguntas, tor¬nou-se insuportável. Até que um dia a pobre menina não agüentou mais. Chegou em casa tarde da noite, esgotada depois de um dia cheio. A única coisa que queria era se jogar na cama, pegar no sono e desligar-se do mundo. Mas, assim que entrou no quarto e acen¬deu a luz, viu o espelho. E ele parecia ainda maior, monstruoso quase, com um aspecto inquisidor, como se cobrasse algo dela. A menina, então, desesperada, pegou o primeiro objeto que lhe veio à mão e atirou-o, com toda a força.
O barulho dos cacos se espatifando no chão soou como uma melodia, enquanto ela olhava para a porta do armário. Agora só restava a madeira, ela estava li¬vre! Foi chegando cada vez mais perto, caminhando por cima dos cacos, fazendo mais barulho com seus sapatos. Passou a mão e o rosto na madeira fosca, que nada refletia, que nada a fazia refletir. Sentiu um imenso alivio. Mas só até o momento em que abaixou os olhos e viu as dezenas de pedaços no chão. Agora já não era mais um espelho, eram vários, refletindo sua imagem e lhe exigindo uma reflexão.
2 comentários:
me add no msn?? huahsuashuashushaushaushuasuahsuasuasuuashuahsuahsuahsuahsuahsuahuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahuhsauhsuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahsu paricia100-23@hotmail.com te amo
Que linda história,!
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Regrinhas:
- Quer criticar o blog ? avontade mais sem palavrões e ofensas Ok!?
Obrigada pela colaboração!