quinta-feira, março 18, 2010


O mundo da televisão

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*(crônica do livro papo de garotas)*

Depois de passar horas em frente à televisão, pulando de canal em canal, de programa de auditório para novela, de novela para telejornal, de telejornal para videoclipe, de videoclipe para propaganda, a garota deu um clique final no controle remoto e a tela escureceu. Em uma fração de segundo aquele mundo de cubo animado, colorido e fascinante, havia desapa¬recido.
Silêncio.
Uma sensação de vazio tomou conta da sala. E a garota teve a nítida impressão de que o mundo em que estava era menos real do que dentro da tevê. Lembrou-se de quando era criança e achava que televisão era isso mesmo: um mundo real com minúsculas pessoas vivendo dentro do aparelho. Por que será que agora quem se sentia minúscula era ela?
Solidão.
Clique, ligou a tevê de novo. Som, música, pessoas alegres e sorridentes, palmas, folia. Até a desgraça pa¬recia virar um show. Isso deveria ser triste, muito triste. Mas parece que a gente vai se acostumando, se acostu¬mando... Não! Clique, desligou novamente.
A sala vazia, o chiado do silêncio. O ato de desligar abria um espaço em sua cabeça e era em si mesma que começava a pensar. Seus problemas, sua rotina mecâ¬nica e sem graça, sua vida sem sabor, era isso! A vida na tela tinha sabor. Clique, ligou outra vez.
Ah, as novelas, ainda que tão previsíveis, são a nossa pequena distração do dia-a-dia. Pequena distração? A das 5, das 6, das 7, das 8? Já virou alienação. Clique, desligou.
Também, vai, no meio disso tudo a gente ainda encontra programas bons. Clique, ligou. Se bem que, ultimamente, isso tem sido como procurar um anel de ouro (que se engoliu no dia anterior) nas fezes do dia seguinte. Clique, desligou. Mas o que fazer com esse tempo vazio? Clique, ligou. Nossa, suas costas já esta¬vam doendo de tanto sofá. Clique, desligou. Além do mais, ela nâo era a única. Conhecia muita gente que ligava a tevê assim que chegava em casa, só para não se sentir sozinha. Clique, ligou. E aquilo acrescentava alguma coisa? Clique, desligou.
E dessa vez contou até dez. "Um, dois, três..." e, olhando a tela vazia de repente, se deu conta de que estava olhando para si mesma, era seu reflexo na tela negra. E como doía reconhecer aquele mundo de fora, que em nada se parecia com o de dentro. Como era difícil encarar sua existência tão comum em meio àque¬les padrões de perfeições de olhos de Ana Paula Arósio, de cinturinha de Adriane Galisteu, de rebolado das Sheilas do Tchan, de pernas e bunda da Feiticeira, de peitos da Globeleza... Tudo tão distante. Tudo tão per¬to. Tudo tão verdadeiro e tão falso como todos os "boa-noite" de Fátima Bernardes, a facilidade de Babi pra falar de sexo, as mil e uma receitas de vida feliz de Ana Maria Braga ou o Planeta Xuxa, que não existe em lugar nenhum.
Quem eram aquelas pessoas afinal? E quem era a menina sentada no sofá?
Clique. Ligou a televisão e ficou pensando que da¬ria tudo para entrar naquele aparelho e pertencer àquele mundo, ainda que só por um dia. E de lá de dentro olharia para a menina aqui fora, sentada no sofá. Quem sabe assim gostaria mais dela, se sentiria um pouquinho especial.
O que ela não sabia, entretanto, é que as pessoas, quando ficam minúsculas e vão para a tevê, não en¬xergam nada. Do lado de lá, as pessoas só vêem as câmeras.

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Regrinhas:
- Quer criticar o blog ? avontade mais sem palavrões e ofensas Ok!?

Obrigada pela colaboração!